domingo, 5 de agosto de 2012

História de amor pela Minha gatinha.


Bem, eu tenho uma gatinha de 19 anos. Na verdade, hoje eu só a tenho no meu coração, ela morreu. A Minha gatinha não tinha raça definida, eu chamo isso de “pé-duro”. Até fevereiro deste ano ela era uma senhora muito saudável. Eu só a levava ao veterinário para tomar vacina. De uns 3 anos para cá ela começou aparentar que estava perdendo a visão, um veterinário disse que era catarata, natural para idosos. Eu acho que o déficit de visão não chegou a ser total.

Ela sempre foi muito esperta, arisca, opiniosa, brincalhona e... linda. Sua alimentação basicamente era ração. Às vezes ela tinha direito a um pedacinho de presunto fresco ou a lamber o potinho de chandelle de chocolate depois de mim! Ela adorava e não sossegava enquanto não ganhasse esses mimos. Mas isso era muuuuito de vez enquando, talvez por isso ela nunca tenha tido problema nos dentes ou diabetes.  

Em uma madrugada de fevereiro acordei com um barulho. Procurei Minha gatinha e encontrei-a tentando caminhar, mas ao invés disso ela estava sentada, sem conseguir mexer uma das patinhas dianteiras, o que fazia com que ela caísse ao tentar se locomover. Na verdade, ela virava como se estivesse fazendo uma cambalhota, eu fiquei desesperada! Ela não tinha o menor controle dos movimentos. Eu pensei que fosse algo neurológico... Logo cedo a levei a uma veterinária que solicitou exames de sangue. Com isso constatou que as funções hepáticas e renais dela estavam bem comprometidas com taxas muito alteradas, indicando Insuficiência Renal Crônica. Ela urinava bem, mas o rim não estava retirando as impurezas do rim de forma satisfatória, o xixi estava bem clarinho. O tratamento indicado foi soroterapia. Como a Minha gatinha estava bem fraquinha ela não ofereceu resistência para pegar a veia de acesso para o soro. Por um semana eu a levei à clínica para receber 300ml de soro durante 4 horas. Ao final da semana ela já estava mais espertinha e já com os movimentos mais coordenados, então não deixou de jeito nenhum a veterinária pegar acesso na outra patinha! Eu já fiquei mais animada, essa era a Minha gata!! Ninguém encostava no rabo dela, ela não deixava nada preso em seu corpo por mais de 10 segundos! Quanto mais uma agulha com um esparadrapo grudado! Apesar de feliz com a visível melhora dela, fiquei preocupada porque a agitação natural dela impedia continuar o tratamento por mais uma semana como estava prescrito. Então, seguimos com hidratação oral com soro caseiro por mais 10 dias. Ela não aceitava água ou soro, por isso precisamos utilizar uma seringa para colocar os líquidos na boca dela. Ela esperneava muito, mas dava certo. Mais ou menos a cada 20 minutos eram 30 ml, uma parte caía fora, mas dava para ter uma noção do quanto ela estava ingerindo. A seringa utilizada era de 10 ml. E assim ela melhorou recobrando os movimentos coordenados das patas. Mas aí surgiu outro problema... Constipação intestinal = prisão de ventre. A veterinária prontamente sugeriu fazer uma lavagem intestinal. Eu discordei, achava que seria uma violência com a minha velhinha! Eu já tinha bem claro para mim (e para ela) que não aceitaria procedimentos invasivos... Perguntei quais as medidas alternativas, então ela indicou o uso de supositório (de glicerina para criança, compra em farmácia mesmo) Resolveu temporariamente... A cada dois dia era preciso colocar um supositório... De qualquer forma era um sofrimento... à essa altura já havíamos mudado a ração em grãos sólidos para aquela de latinha que é mais molinha e molhada. Acho que ela passou mais ou menos uma semana com essa prisão de ventre. E depois ficou bem.

Ela passou março, abril e maio sem apresentar nada. A única diferença era a nova ração e também o fato de ela não beber água sozinha... Isso me deixava preocupada, mas a veterinária não ressaltou nada e nós conseguíamos que ela bebesse água através da seringa. O apetite sempre preservado.

No início de junho, novamente ela parou de andar, mas dessa vez eram as patinhas traseiras que não respondiam aos comandos. Ela simplesmente caia para o lado. E a constipação retornou. Levei novamente à veterinária, mas dessa vez à outra profissional. Dessa vez, para a constipação foi prescrito mel karo. Bastou uma colherzinha de café diluída em água para limpar os intestinos da Minha gatinha! Achei fantástico! E fiquei revoltada com a veterinária que queria fazer lavagem intestinal. E para as patinhas, essa veterinária disse que era preciso aplicar injeções e anti-inflamatório, porque ela também estava com artrose e se fosse aplicar o soro na veia ela poderia morrer por ficar encharcada já que o rim não estava trabalhando direito. Por cindo dias a levei à clinica para as aplicações de anti-inflamatório, mas eu comecei a achar que na verdade era apenas um placebo... A veterinária disse que ela não voltaria a andar de jeito nenhum. Então, eu parei de leva-la, interrompi o tratamento por conta própria. Alguns dias depois ela começou a se locomover se arrastando, ela ficava sentadinha e puxava as patinhas de trás com as da frente, em alguns momentos até levantava para andar ou dar umas corridinhas, mas sempre toda tortinha com a coluna arqueada para o lado, acho que isso deveria doer muito... Como estava difícil para ela se locomover e ela não conseguia ficar na posição para fazer as necessidades fisiológicas ela começou a usar fraldas descartáveis. Eu comprava tamanho P para até 4 ou 6kg. Ela não reagiu muito bem à Pampers porque essa soltava um gelzinho... Ah, a gente fazia um furo em formato de cruz para passar o rabo dela, era por esse buraquinho que o gel da fralda escapava. Eu acho que a melhor era a da Turma da Mônica. E o apetite sempre preservado, eu acordava 3 vezes por noite para alimentá-la e hidrata-la.

Passaram-se mais alguns dias, até que ela parou de se locomover novamente, não conseguia nem se manter sentada sem apoio. Aí apareceu outra mazela... O ânus dela começou a ficar inchado e ela começou a ter diarreia o tempo todo, além de aparecer sangue nas fezes. Corri para a veterinária de novo! Ela disse que era uma infecção. Fez tratamento para verme. Só então iniciou o antibiótico, primeiro o Pentabiótico, depois o Cloranfenicol e ainda teve o Ciprofloxacina. Foram uns 15 dias de antibiótico. O edema diminuiu significativamente e o sangramento também, mas a diarreia continuou. Tinha dia que o anus dela ficava bem inchado de novo, eram fezes sólidas (apesar da diarreia) que se acumulavam e ela não tinha força no esfíncter para colocar para fora, então era preciso espremer para sair... O sofrimento já estava grande.

A (não) qualidade de vida dela estava me deixando muito angustiada. Ou melhor, era praticamente só a não qualidade de vida. Ela já não enxergava bem, não bebia água sozinha, não andava, não fazia as necessidades na posição correta. Só o apetite que apesar de tudo isso, continuava preservado, era o que me consolava.

Eu sabia que ela estava velhinha e poderia morrer. Eu dizia que estava preparada, mas eu não queria precisar escolher quando isso deveria acontecer.  Por mim, seria assim: um dia eu iria até onde estava deitadinha e não a veria mais respirar. Ela continuaria dormindo e pronto. Meu maior medo era chegar a um ponto de envelhecimento/adoecimento/sofrimento que fosse preciso pensar até que ponto valeria a pena mantê-la viva apenas com sofrimento. Eu pedi para ela me avisar, até quando. Era ela quem iria me mostrar a hora, simplesmente dormindo para não acordar mais ou mostrando que eu precisaria escolher e quando.

Comecei a pesquisar sobre eutanásia de animais. Eutanásia, felino, cuidados paliativos, gato idoso, coloquei essas palavras no google em busca de uma luz para a minha angustia. Encontrei alguns sites interessantes, dentre eles o site da faculdade de veterinária da USP. Lá há um questionário sobre qualidade de vida do animal. São 12 perguntas, das 12 eu só respondi de forma positiva 2: ela come e não vomita. Isso me deixou ainda mais angustiada. Ela se comunicava com a gente, demonstrava carinho e vontade de se alimentar... Ao cuidar dela eu chorava por saber que ela não poderia estar feliz (sobre)vivendo daquele jeito.

Sobre a clínica de cuidados paliativos da USP e o questionário de QV: http://www.fisioanimal.com/2010/05/bem-estar-e-qualidade-de-vida-para-pacientes-terminais/

Talvez seja menos difícil ao receber o diagnóstico de uma doença como calazar, pois nesse caso não há uma escolha. Mas quando a pessoa se depara com a possibilidade de escolher quando permitir que seu animalzinho de estimação, que por 19 anos foi saudável e começou a apresentar mazelas próprias da velhice, pode/deve morrer é muito complicado. Eu pedi à ela para me avisar. Era ela quem iria dizer até quando.

Após uma semana sem tomar antibióticos, apareceu uma ferida no dorso dela, próxima ao pescoço. Eu tinha o cuidado de muda-la de posição para evitar escaras... Novo desespero... uma ferida! Eu pensei que isso seria o sinal do fim. Nova ida à veterinária, que explicou tratar-se do machucado por conta de tantas injeções de medicação, só agora havia pelo caído. A única coisa a fazer era passar pomada para ajudar na cicatrização. Nesse dia, eu criei coragem e perguntei quando pensar em eutanásia. A veterinária brigou comigo, disse que não concordava, se Deus a confiou à mim, eu teria que cuidar até o fim e que isso iria me fazer mal. Mas eu já estava pensando apenas na Minha gatinha, eu não queria mais vê-la sofrendo. Tudo que eu já havia me trabalhado para aceitar a possibilidade de precisar escolher foi destruída pela melhor das intenções da veterinária. Voltamos para casa para continuar cuidando. Na manhã seguinte, a gatinha estava muito mais fraquinha, com os olhinhos virados e as patinhas muito moles, mas continuava respirando. Fui de novo à veterinária, dessa vez ela disse para hidratá-la mais e que poderia dar mais antibiótico, assim talvez ela sobreviveria mais uma semana. Mas também deu a opção de não medicar, orientou que fosse hidratada, assim ela talvez descansasse em dois dias. Eu optei pela segunda orientação. Na tarde do mesmo dia, ela melhorou um pouco, aceitou comida e seus olhinhos voltaram ao normal. Ela melhorou, mas não estava bem, e era impossível ficar boa. Decidi buscar outra opinião.

Conversei com pessoas queridas que perderam seus bichinhos e indicaram veterinários que concordam com eutanásia. Conversei com meus pais. Meu pai concordou, minha mãe não. Ela não concordou por motivos religiosos “se Deus deu a vida, só Deus pode tirar”. Mas... para mim o pecado é deixar sofrer sem perspectiva de melhora quando existe uma possibilidade de amenizar isso. Para mim a eutanásia, em uma situação como essa, é um cuidado que podemos ter com o doente. É caridade, é compaixão, é amor. Lembrei da oração de São Francisco, protetor dos animais: “Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz”.

Apesar de eu ter interpretado a ferida como o início do fim, eu ainda não me sentia segura se isso era o aviso da Minha gatinha. Na noite seguinte à discussão sobre eutanásia, a Minha gatinha passou a noite inteira miando. Fraquinho. Constante. Eu fiquei ao lado dela com a cabecinha dela apoiada na minha mão. Nessa noite eu disse a ela que tudo iria ficar bem, logo.

Encontrei no questionário da USP indicadores para pensar na (não) qualidade de vida dela. Mas a hora de decidir a gente só encontra com o coração.

No dia seguinte procurei um dos veterinários indicados, expliquei toda a história. Ele me mostrou que Minha gatinha não estava nada bem, continuava se mantendo viva por causa do apetite (apesar de o organismo não processar mais os alimentos adequadamente) e do coração que estava muito bem, apesar da insuficiência dos outros órgãos. Ele foi muito atencioso, me ouviu e explicou tudo pacientemente. Perguntou se eu iria deixa-la com ele ou se eu iria esperar do lado de fora. Não, eu fiquei com ela, o tempo todo. Até a respiração parar. E ela dormiu para não acordar mais. O último cuidado dedicado à Minha gatinha foi um funeral na praia. Agora ela está bem.

Decidi relatar tudo isso para ajudar pessoas que estejam passando situações parecidas com seus queridos bichinhos. É muito triste e difícil, mas é preciso não ser egoísta e pensar mais em quem mais está sofrendo com dor e sem perspectiva de melhora. A Minha gatinha não ficou boa, curada e saudável, mas ela ficou bem. Então, comigo ficaram a saudade, o carinho e as lembranças boas. Toda vez que a saudade aperta e as lágrimas vêm por querê-la junto à mim, eu lembro que se ela estivesse aqui, na verdade, ela estaria sofrendo. Ela está bem e eu também.  



Bises.

Um comentário:

  1. Rafa,
    Sinto muito pela sua perda. Imagino o quanto vc deve estar sofrendo pela falta que a sua gatinha esta fazendo. Mas ela cumpriu bem a sua missão perto de vc. Que Deus te abençoe.
    Beijos grandes
    adriana

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